Quem sou eu
- Teka
- Balzaquiana aguerrida, razoavelmente satisfeita com as escolhas de agora.
sábado, 29 de novembro de 2008
O rio que corre em minha aldeia
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
(Alberto Caeiro)
domingo, 23 de novembro de 2008
Consciência mestiça
E hoje, uns dias depois de perambular pelas ruas da velha Salvador, volto aos posts, longe de Luanda, para dar andamento às descobertas internas de quem ainda não sabe direito quem é. Acho que, na verdade, isso tudo é um mar dialético. A cada dia descubro outros eus, novos e antigos, que aos poucos se encontram e se misturam como fizeram meus ancestrais. Sou tataraneta de índio, bisneta e neta de negras do Recôncavo, filha de mulata e de um branco brasileiro de alma africana. Enfim, nessa confusão (ou será profusão) de identidades, com Luanda no meu peito, aos poucos realinho o meu ser neste Brasil.
Por que, vejam só, precisei de África pra entender melhor isso de raça. Que, de verdade, não tem a menor importância de que cor nascemos. Importa o que pulsa em nossas veias e a transparência diária que nos faz seres humanos. Essa humanidade delicada de sofrimentos diários, pequenas dores, angústias ocultas, recheadas inclusive de hipocrisias que nos convocam a devassar estranhezas da realidade. Por que aqui, no reino de Itapuã, a burguesia de qualquer cor tem o mesmo cheiro que em outro lugar. É, Cazuza estava certo. Viva Zumbi dos Palmares! Salve, ó Curuzu!
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
domingo, 2 de novembro de 2008
Obrigada, sim!
E, com o perdão do trocadilho, porque apostar foi que mais fiz neste 2008 de luz.
Não dá para deixar Angola sem me despedir de cada pessoinha que me foi cara nesses longos 10 meses e 26 dias. Sem mencionar as quartas do vinho nas Ingombotas, as excursões pelo litoral da Lunda Sul com P. e J., a viagem a Benguela, os jantares nos restaurantes chineses e as divertidas sextas-feiras no Danadão... Jamais esquecerei tanto brazucas quanto angolanos que me deram lições de solidariedade. E até mesmo os que me fizeram ver, com a sua infelicidade diária, o quanto possuo riquezas aqui em Itapuã.
Neste sítio abençoado pelos deuses de São Salvador, há o pássaro que nos acorda todos os dias, sempre a cantar. Há um rebento pedindo mãe nos últimos suspiros da infância perdida e um companheiro parceirão. Sem falar nas bençãos diárias dos céus, que me fazem a pessoa mais feliz do mundo. Foi por essas e outras que, mesmo sem ter planejado nada, acabei ficando por aqui, assim meio de susto, sem muito rigor ao botar na ponta do lápis como será a vida em reais . Por que aqui, dólar é coisa de gringo, algo que, definitivamente, nunca fui.
Enfim, este post é para agradecer. Por que, em Angola, no idioma nacional, quando nos dão bom dia, vem de brinde um "obrigado" e um "como foi a noite", numa reverência de amigo-irmão. Por que em Luanda a gente aprende que estar junto não é apenas uma expressão fria e que bom dia não é um cumprimento formal. Que a cor da pele importa, sim, mas quando o passado e a história estão tão proximos que não conseguimos separar o joio do trigo. Afora isso, somos mesmo povos irmãos. Au revoir, Angola. Obrigada, sim! Obrigada, irmãos! Um dia eu volto.
sábado, 11 de outubro de 2008
Brincadeira de papel

Trilha sonora de quando eu não sabia que era feliz:
"Eu pensei que todo mundo
Fosse filho de Papai Noel
Eu pensei que fosse uma
Brincadeira de papel
Já faz tempo eu pedi mas
o meu Papai Noel não vem
ou então felicidade
é brinquedo que não tem"
(Assis Valente)
Agora sei. Agora, sim. E viva Angola!
Planeta África
Pela primeira vez, em 10 dias, a água cai forte no tanque do Solar da Matoso da Câmara. Ufa!
sexta-feira, 10 de outubro de 2008
Lamento nagô
Daria tudo pra saber porque as coisas simples às vezes me parecem tão difíceis. Pense numa pessoa complexa! Esta sou eu...Aí aparece Angola em minha vida e parece mudar tudo. Mas, novamente, em lugar de simplificar, complico mais. É o peso de tantas certezas... Vai pendendo a balança até não poder mais. Até que arrebenta tudo aqui por dentro. E explode na audição de um Zeca Baleiro no horário do almoço nas Ingombotas. A seleção de D., vasculhando lembranças sonoras no computador, foi um bálsamo para mim. Tinha Maria Bethania, Luis Melodia e até Elis.
...
Pela enésima vez em uma semana, não cai água no tanque da Matoso da Câmara. No Alvalade agora me surpreendo quando há. Às vezes, como diz minha mãe, não tem nem pra remédio. Aí fica ali, aquele eterno baldinho ao lado da sanita, que é como chamam o vaso sanitário por aqui. E tome sobressaltos, explosões!
O Fiesta que nos transporta pelos engarrafamentos de Luanda pode parar a qualquer momento. "Tem que ter paciência", diz-me Claudino, nosso quarto motorista em 11 meses em Angola. Gira a chave milhões de vezes até o motor pegar. "Paciência já não há", respondo, com a calma que Deus me deu depois de ver a viatura funcionar. Afinal, o defeito no arranque é um detalhe. Para ele, que viveu a guerra, é só abrir a porta do carro e afastar o piquete com que fecharam a entrada-saída da nossa rua em obras. Há pelo menos dois meses, a acessamos pela contramão.
Em uma cidade em tempos de paz, não há maca se o ar-condicionado apita a noite inteira e me deixa entregue ao calor. Ou se a campainha comprada na mão dos miúdos toca de manhã cedo, a cada minuto uma "canção" diferente para nos atormentar. Afinal, está tudo em paz. Quem perdeu a mãe, irmãos ou qualquer outro parente numa guerra civil não pode mesmo se importar. Era tudo tão mais difícil. Agora está tudo bué fixe por cá.
Aí retorno à interpretação louca da tal ancestralidade afro-índio-lusitana que motivou esse blog. Será por isso que a música negra me toca tão fundo? É. Talvez. Tento, sem sucesso, postar o vídeo dos maravilhosos caboverdianos expatriados e volto a pensar: lamento profundo. É o meu. Banzo dos escravos nos navios negreiros. "Sodad...", diz-me a música deste povo castanho. "Paciência", repete a voz de Claudino, milhões de vezes no meu cérebro latino-americano. E, em silêncio, ouço de mim mesma: "Brazuca não sabe o que é guerrear". Eu também não. Sinto muito. Sou da Liberdade, meu velho. E de Itapuã.
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
Meu outro retrato
sábado, 4 de outubro de 2008
Cabo Verde
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
Hora do recreio
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
(Cecília Meireles)
terça-feira, 30 de setembro de 2008
Outras palavras

"De algum modo já aprendera que cada dia nunca era comum, era sempre extraordinário. E que a ela cabia sofrer o dia ou ter prazer nele. Ela queria o prazer do extraordinário que era tão simples de encontrar nas coisas comuns: não era necessário que a coisa fosse extraordinária para que nela se sentisse o extraordinário".
(O Livro dos Prazeres)
segunda-feira, 29 de setembro de 2008
Uma aprendizagem ou Fiat lux
"Já se passara o ano. Os primeiros calores da primavera tão antigos como um primeiro sopro. E que a fazia não poder deixar de sorrir. (...) Impossível que essa doçura de ar não traga outras!, diz o coração se quebrando. (...) Impossível que esse ar não traga o amor do mundo! Repete o coração que parte sua secura crestada num sorriso. E nem sequer reconhece que já o trouxe. Esse primeiro calor ainda fresco trazia: tudo. Apenas isso, e indiviso: tudo."
domingo, 28 de setembro de 2008
sábado, 27 de setembro de 2008
Fogo amigo
Sobresssalto. Nunca esta palavra me fez tanto sentido quanto agora. Sim, há alguns indizíveis ao cruzar-se a ponte de ferro do provérbio japonês neste reino de Ngola. Como este aviso da árvore (foto), para quem se atreve a verter "água do joelho" em praça pública, gesto comum entre a população de cá. Nada, no entanto, me parece mais desconcertante que esta estranha sensação de eterna intromissão. Jamais vou me acostumar com a idéia de que sou "gringa" por aqui. Pior: uma inimiga silenciosa de quem me gerou.
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
Releitura étnica


quinta-feira, 25 de setembro de 2008
Vidas mulatas

Tateio, em meio à sonolência desta manhã de trabalho honesto, as ferramentas do blogger, ainda meio "barbeira" nesta estrada cyber. Persisto. A velocidade da net não ajuda. Mas, enfim, cá estou, a postar trechos do desassossego de Pessoa. E do meu próprio...
O caminho de agora é o da ressignificação. Rever rotinas antigas, repensar-se. Foi preciso África, solidão e esta árdua tarefa do reencontro... Longe da superfície, mergulhada em mim, redescubro prazeres antigos, como apreciar pequeninas coisas. Fazer fotos de detalhes das ruas, gargalhar com as amigas, cúmplices desta urbanidade louca e contraditória.
Impossível sair ilesa desta experiência. Há cicatrizes, arranhões e também um punhado de experiências dilacerantes. Outras alegrias...E uma delicada sensação de pertencimento.
Uma identidade inédita avizinha-se. Estou outra. Não é possível ainda perceber o que há de novo nisso tudo. Mas há. Agora sou outras. Inteira, refeita, pronta a novas trilhas. Inclusive esta, via internet.