Quem sou eu

Minha foto
Balzaquiana aguerrida, razoavelmente satisfeita com as escolhas de agora.

sábado, 27 de setembro de 2008

Fogo amigo


"Antes de cruzar uma velha ponte de ferro, olhe bem"

(Provérbio japonês)


Sobresssalto. Nunca esta palavra me fez tanto sentido quanto agora. Sim, há alguns indizíveis ao cruzar-se a ponte de ferro do provérbio japonês neste reino de Ngola. Como este aviso da árvore (foto), para quem se atreve a verter "água do joelho" em praça pública, gesto comum entre a população de cá. Nada, no entanto, me parece mais desconcertante que esta estranha sensação de eterna intromissão. Jamais vou me acostumar com a idéia de que sou "gringa" por aqui. Pior: uma inimiga silenciosa de quem me gerou.

O certo é que os anos de guerra pela independência e de subjugação fizeram de alguns angolanos pessoas xenófobas, às vezes, hostis. A fúria é proporcional à lembrança do lado mais cruel do colono, o "branco" que os escurraçou. "Pula, pula!", gritavam os miúdos em direção ao nosso carro quando passamos por Benguela quatro meses atrás. Forma pejorativa de designar os brancos, o termo "pula"conserva uma carga intensa de discriminação. Mas nada poderia ser pior a um mestiço ciente da sua ancestralidade que o olhar de estranheza de seu "meio-irmão"...

"Afinal, o que são os mulatos senão reles 'traidores'?", diriam eles. Relutante, na minha insanidade afrodescendente, eu responderia: "Não tenho nada a ver com essa história, no Brasil foi diferente..." Mas não há como fazê-lo. Não há nada a dizer. Nesta hora, conta apenas o que temos feito de nós. E a cor da pele transforma-se num detalhe sem importância, ao menos para mim. O que me importa - e será para sempre assim - é a memória afetiva que faz desses rostos especiais.

Na face das kotas da ilha, estou lá. São iguaizinhas às minhas tias nascidas no recôncavo, rendeiras de mão cheia, que insistiam em me ensinar o ofício ancestral. Os segredos dos bilros eu jamais aprendi. Mas tudo isso me ergueu. Sou feita desses retalhos de cultura. Um mosaico afro-luso-índiodescendente. Nos panos das senhoras de Luanda, estou lá. No colorido das roupas, estou lá. Nos colares enormes, estou lá. Na estética over, ali estou. As indumentárias, o torso, os cabelos, as tranças...Estou em África e Ela em mim.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ancestralidade...muito além da xenofobia. Muito bom o seu blog.