Quem sou eu

Minha foto
Balzaquiana aguerrida, razoavelmente satisfeita com as escolhas de agora.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Lamento nagô

Daria tudo pra saber porque as coisas simples às vezes me parecem tão difíceis. Pense numa pessoa complexa! Esta sou eu...Aí aparece Angola em minha vida e parece mudar tudo. Mas, novamente, em lugar de simplificar, complico mais. É o peso de tantas certezas... Vai pendendo a balança até não poder mais. Até que arrebenta tudo aqui por dentro. E explode na audição de um Zeca Baleiro no horário do almoço nas Ingombotas. A seleção de D., vasculhando lembranças sonoras no computador, foi um bálsamo para mim. Tinha Maria Bethania, Luis Melodia e até Elis.

...

Pela enésima vez em uma semana, não cai água no tanque da Matoso da Câmara. No Alvalade agora me surpreendo quando há. Às vezes, como diz minha mãe, não tem nem pra remédio. Aí fica ali, aquele eterno baldinho ao lado da sanita, que é como chamam o vaso sanitário por aqui. E tome sobressaltos, explosões!

O Fiesta que nos transporta pelos engarrafamentos de Luanda pode parar a qualquer momento. "Tem que ter paciência", diz-me Claudino, nosso quarto motorista em 11 meses em Angola. Gira a chave milhões de vezes até o motor pegar. "Paciência já não há", respondo, com a calma que Deus me deu depois de ver a viatura funcionar. Afinal, o defeito no arranque é um detalhe. Para ele, que viveu a guerra, é só abrir a porta do carro e afastar o piquete com que fecharam a entrada-saída da nossa rua em obras. Há pelo menos dois meses, a acessamos pela contramão.

Em uma cidade em tempos de paz, não há maca se o ar-condicionado apita a noite inteira e me deixa entregue ao calor. Ou se a campainha comprada na mão dos miúdos toca de manhã cedo, a cada minuto uma "canção" diferente para nos atormentar. Afinal, está tudo em paz. Quem perdeu a mãe, irmãos ou qualquer outro parente numa guerra civil não pode mesmo se importar. Era tudo tão mais difícil. Agora está tudo bué fixe por cá.

Aí retorno à interpretação louca da tal ancestralidade afro-índio-lusitana que motivou esse blog. Será por isso que a música negra me toca tão fundo? É. Talvez. Tento, sem sucesso, postar o vídeo dos maravilhosos caboverdianos expatriados e volto a pensar: lamento profundo. É o meu. Banzo dos escravos nos navios negreiros. "Sodad...", diz-me a música deste povo castanho. "Paciência", repete a voz de Claudino, milhões de vezes no meu cérebro latino-americano. E, em silêncio, ouço de mim mesma: "Brazuca não sabe o que é guerrear". Eu também não. Sinto muito. Sou da Liberdade, meu velho. E de Itapuã.

3 comentários:

Mayra disse...

é dura a vida de expatriado... primeiro porque a gente chega achando que já sacou tudo. depois vê que não era nada daquilo que se pensou, e até começarmos a (re)entender e entrar no clima de angola... ê, pá, isso demooora...

Andreia Santana disse...

Perdi-me nos caminhos do tempo
sem medo de atravessar o mar
fui até Luanda e vi de perto
um novo mundo nasce do antigo
e o encanto daquela descoberta
se perde, reencontra, renova
Aaaah! mas a saudade de casa
dos coqueiros e da água azul
e mais uma vez suspiro e sonho
fazer o caminho inverso e migrar
remigrar para os braços da Bahia
mas a alma, um pedaço arrancado
já pertence a essa outra casa
da minha origem luso-banto-tupi
e a descoberta, surpresa! Espanto!
de que Angola agora vive em mim.

Teka disse...

como dizem por aqui: é mesmo isso...